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quinta-feira, 6 de outubro de 2016

NOVO ENSINO MÉDIO INTEGRAL: DA “TRAGÉDIA ANUNCIADA” A “TRAGÉDIA REAL”

Na última quinta-feira (22 de setembro) o governo federal anunciou a contrarreforma do Ensino Médio. Realizada através de Medida Provisória - MP n.746/2016 - altera quesitos bem definidos pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9394/96), que este ano comemora vinte anos de sua promulgação. Tal medida foi justificada pela pressa em “melhorar a qualidade do ensino médio”, que teve leve queda no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica a (IDEB) dos alunos em Matemática. Vale ressaltar que este mesmo índice apresentou elevação em Língua Portuguesa.
É preciso ficar claro que uma medida provisória, diferentemente de um projeto de lei, entra em vigor no momento em que é lançada no diário oficial da união. Qual o motivo de tanta pressa?
Não é novidade que o sistema de Educação Básica do Brasil, principalmente o Ensino Médio, passa por sérios problemas. O Ministro da Educação afirmou, após a divulgação do último IDEB, que o Ensino Médio brasileiro é “uma tragédia”. Mas será que os motivos que levam Mendonça Filho a essa afirmação são os mesmos problemas que permeiam o dia a dia de professores e alunos do Ensino Médio? Analisemos o cenário atual da educação e as medidas propostas por esta contrarreforma.
Dentre as muitas alterações que o texto da medida provisória propõe em relação a lei 9394/96, podemos destacar:

·         Professores que poderão ser contratados por “notório saber”, mesmo que não tenham sido preparados para dar aula em uma determinada matéria;
·         A carga horária passa de 800 para 1.400 horas/ano –, exigindo turno integral;
·         Durante todo o primeiro ano e metade do segundo, o estudante seguirá aprendendo o básico de cada matéria, com base nos pilares que já norteiam o Exame Nacional de Ensino Médio (Enem): Linguagens, Ciências da Natureza, Ciências Humanas e Matemática;
·         No ano e meio seguinte, porém, ele terá mais flexibilidade para priorizar assuntos que sejam da sua área de interesse para um futuro ensino técnico ou superior;
·         O ensino de Sociologia, Artes, Filosofia e Educação Física fica a critério das instituições de ensino;
·         A formação técnica e profissional passa a ter peso semelhante as quatro áreas de conhecimento;
·         A inclusão de experiência prática de trabalho no setor produtivo e da possibilidade de concessão de certificados intermediários de qualificação para o trabalho.

Se o objetivo desta contrarreforma é a “melhoria das condições de ensino e aprendizagem dos alunos e das condições de trabalho dos professores do Ensino Médio” – como afirma José Mendonça Filho – já podemos antever seu fracasso, uma vez que nenhuma dessas medidas resolve os problemas reais que se arrastam por anos no que diz respeito a esta etapa da educação básica. As soluções desta medida não parecem atacar os problemas de infraestrutura das escolas, da defasagem idade-série, da evasão escolar, da falta de merenda, da ausência de aulas de reforço e atendimento especial aos alunos que necessitam, e menos ainda, dos graves problemas que estes adolescentes enfrentam fora da escola, que refletem diretamente na sua vida escolar.
O aumento da carga horária de determinada disciplina em detrimento de outra não resultará na melhoria de aprendizagem dos alunos, uma vez que carga horária pequena não é causa para dificuldade de aprendizado. Conferir liberdade as instituições para que não ofereçam as disciplinas mencionadas acima vai contra a própria LDBEN/1996, que garante sua obrigatoriedade e acesso a todas as áreas de conhecimento. Dar oportunidade de o aluno desenvolver análises voltadas para o social, para uma formação capaz de criticar a realidade, para o conhecimento do seu corpo e para as diversas formas possíveis de expressão de suas emoções, parece-nos um direito. Mais do que nunca, fica claro que o que importa neste momento é a formação de uma mão-de-obra capaz de atender as exigências do capital; eficiente, barata e que seja capaz de se adaptar as mudanças constantes do mercado, como afirmou a própria Maria Helena Guimarães, secretária executiva do Ministério da Educação.
Se fizermos uma análise dos movimentos sociais que lutam pela melhoria do Ensino Médio nos últimos anos, poderemos perceber como eles ganharam força. As ocupações das escolas, principalmente no Rio de Janeiro e em São Paulo, se mantiveram firmes por meses, até que suas reivindicações fossem atendidas, ou melhor, parcialmente atendidas. O desmantelamento desta etapa da educação básica também é uma forma de enfraquecer o movimento estudantil e garantir a ordem do Estado, de forma semelhante ao período da Ditadura Civil Militar.



Ainda podemos abordar a questão da contratação de “profissionais de notório saber” e como esta medida colabora para a precarização da carreira docente. Ao que parece, ser detentor de “notório saber” é suficiente para formar os cidadãos e trabalhadores do amanhã; se antes era necessário cursar a licenciatura, constituída de disciplinas específicas da área de educação, além das disciplinas de sua área de atuação, agora parece que a formação é desnecessária; o que diminuirá drasticamente o valor da força de trabalho destes profissionais e comprometerá a qualidade do ensino público, já que dificilmente as escolas particulares se curvarão à nova legislação.
Na verdade, quem guia a necessidade desta reforma são os resultados das avaliações de larga escala. A avaliação, que deveria ser o fim do processo educacional e o balanço da eficiência das políticas adotadas, vem sendo, há muitos anos, o início, o guia do processo de aprendizagem, o que representa uma grave inversão do processo educativo.
A contrarreforma está sendo fortemente criticada por grande parte dos setores sociais, professores e alunos. Órgãos como a ANPED (Associação Nacional de pós-graduação e pesquisa) e o ANDES-SN (Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior) também se manifestaram com críticas duras a tais medidas.  Ainda que algumas medidas propostas sejam realmente necessárias (como a educação integral, que levará o aluno a permanecer mais tempo na escola), a medida não explica como isso será posto em prática. É uma reforma de medidas vazias, incoerentes e que transformarão uma “tragédia anunciada” em uma “tragédia real”.
Serão estas medidas a solução para os problemas que se arrastam e até hoje tornam o Ensino Médio uma tragédia? Como devemos reagir a esta contrarreforma? Devemos aceitá-la para ver quais serão as suas consequências?
É de extrema importância que toda a sociedade se mobilize, principalmente docentes e discentes. É necessário que nos organizemos e lutemos para impedir mais um retrocesso e perda de tudo aquilo que conquistamos nos últimos anos.




Autoria:
Maria Carolina Pires de  Andrade
Licencianda em Ciências Biológicas na Universidade Federal do Rio de Janeiro
Bolsista Pibex


Fonte:
 FREITAS, L.C. de Ensino Médio: Tragédia que substitui tragédia. Disponível em: <https://avaliacaoeducacional.com/2016/09/22/ensino-medio-tragedia-que-substitui-tragedia/>. Acesso em: 26/09/2016.

ANPED. Manifesto do Movimento Nacional em Defesa do Ensino Médio sobre a Medida Provisória. Disponível em <http://www.anped.org.br/news/manifesto-do-movimento-nacional-em-defesa-do-ensino-medio-sobre-medida-provisoria>. Acesso em: 26/09/2016.

ANDES- SN. Nota de repúdio à Contrarreforma do Ensino Médio imposta pela MP 746/16. Disponível em: <http://www.andes.org.br/andes/print-ultimas-noticias.andes?id=8379>. Acesso em: 26/09/2016.





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